por Corrêa Felipe
Há tempos que acredito ser importante dar uma contribuição aos grupos horizontais, cuja forma de tomada de decisões se dá em reuniões de grupos ou assembléias em que todos os membros têm a mesma oportunidade de participação e a mesma voz.
Acontece que, desde o início do que se chamou “Movimento Antiglobalização”, acompanho com bastante freqüência grupos autônomos, anarquistas, assembléias, manifestações de rua, dentre tantas outras situações em que nos deparamos com as tomadas de decisão em ambientes horizontais. Diferentemente da sociedade que estamos acostumados a viver - em que não há possibilidade real de participação na tomada de decisões e somos obrigados a aceitar que outros decidam sobre nossos destinos - podemos decidir e participar efetivamente das decisões, nestes grupos que fazemos parte. Tudo bem que isso nos dê muito prazer, principalmente no início, mas o fato é que, com o passar do tempo, as tomadas de decisão acabam tornando-se um legítimo “parto”. Mas por que exatamente isso acontece?
PARTICIPAR DE TUDO OU SABER DELEGAR?
Creio que, por essa mudança de ambiente e a possibilidade de opinar sobre tudo o que quisermos, muitos de nós acabam se empolgando com isso e, ao nos darmos conta, nos pegamos demorando duas horas em uma reunião discutindo se a cor do site será branca ou azul, se a vírgula do texto do panfleto deve ser assim ou assado, se o formato do jornal deve ser X ou Y, se o trajeto da manifestação deve passar por este ou aquele ponto, e tantas outras coisas de semelhante, ou até mesmo menos, relevância. As assembléias tornam-se palco de disputas individuais, brigas que não têm qualquer sentido dentro do contexto da assembléia e outras coisas desse tipo. Às vezes, a impressão que me dá é que se a “sociedade ideal” for assim, a coisa vai ser complicada...
A grande questão, parece-me, é colocarmos os pés no chão, deixando a empolgação pelo fato de estarmos de fato tomando nossas próprias decisões, e começarmos a pensar o que, de fato, significa autogestão. Quando Michael Albert questionava-se quanto cada um deveria participar das decisões, respondia que “[...] acreditamos que a resposta é que cada agente deve participar do processo de tomada de decisões, na mesma proporção que ele é afetado pelas conseqüências, ou o que nós chamamos de ‘autogestão’.” A autogestão, neste sentido, é a participação nas decisões nas mesmas proporções em que se é afetado por elas.
Isso está longe de significar que devemos opinar sobre tudo e fazer questão que o nosso ponto de vista seja incorporado em todas as decisões. Ao que me parece, as pessoas que se envolveram nos grupos horizontais perderam a noção do que significa abster-se em questões que não têm tanta importância ou de saber delegar tarefas. Perdemos, com isso, muito do trabalho que poderia ter sido realizado, simplesmente pelo tempo consumido com infindáveis debates sem qualquer relevância. Meia hora de discussões para saber qual seria a pauta, mais meia hora para os atrasados chegarem e tomarem pé da discussão, mais meia para os informes, mais meia para cada um dar a sua opinião sobre o que cada um do grupo disse estar fazendo, mais meia para propostas, mais meia discutindo as pendências, mais meia para as vírgulas das propostas e das pendências. Resultado: muitas horas de reunião ou assembléia e um longo tempo consumido. Será que as tomadas de decisão horizontais devem ser assim?
Há uma enorme diferença entre o que chamamos autogestão e aquilo que chamei no título deste artigo de “democratismo”.
A autogestão significa participação nas tomadas de decisão que nos afetam e que realmente têm alguma relevância, significa saber tomar decisões colocando nosso ponto de vista, fazendo questão que ele seja levado em conta nas grandes questões, mas significa termos noção de não arrumarmos confusão por assuntos sem importância, significa sabermos dividir as tarefas, significa sabermos delegar responsabilidades a outros membros do grupo, significa abrirmos mão de falar aquilo que alguém já falou, significa nos preocuparmos com o pouco tempo que todos os militantes têm, significa não perder tempo com assuntos “pequenos”, significa economizar nas discussões e trabalhar, significa compromisso com as decisões tomadas pelo grupo, significa respeito com os outros membros, significa propor e não só ficar discutindo o que os outros do grupo propõem, significa responsabilidade.
O “democratismo” significa cada um do grupo, mesmo que não esteja envolvido nas atividades, darem opiniões, significa perdermos horas discutindo se a cor da parede vai ser verde ou azul, significa os que não aparecem nas assembléias quererem se interar das atividades do grupo e opinarem sobre simplesmente tudo, significa perdermos uma hora discutindo problemas que não dizem respeito ao grupo em meio a todos, significa ficarmos buscando consenso para cada decisão pequena e que não terá qualquer importância maior, significa perdemos meia hora discutindo se o livro será feito com papel 75 ou 90 gramas, se o título do jornal deve ter essa ou aquela fonte, se no debate falará antes cicrano ou beltrano, significa aqueles que não trabalham no grupo aparecerem “de pára-quedas” na reunião discordando de tudo e de todos, significa dar a sua opinião sobre todos os assuntos, assumir compromissos e não cumpri-los.
A autogestão certamente não é um mundo de flores, mas, ou aprendemos a lidar com ela ou vamos perder nosso precioso tempo em discussões que patinam, patinam, mas não saem do lugar.
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